Era uma vez...eu estava contando histórias para um grupo de crianças e seus pais.
Para descontrair e começar a minha fala, perguntei se alguém já conhecia a história “O patinho feio”, de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen, uma das histórias mais conhecidas de todos os públicos, crianças, jovens e adultos. A resposta foi afirmativa e unânime.
Então pedi que cada um contasse uma pouco da história para exercitar a memória e a arte de contar histórias. Eu era o ouvinte, fui fazer oratória mas invertemos os papeis, eu praticava a "escutatória" e o grupo inteiro contava uma história para mim.
Percebi que uma menina, que tinha levantado a sua mão com muito entusiasmo para sinalizar que conhecia a famosa história. Mas, ao chegar a sua vez de falar, silenciou de tal forma que chamou a minha atenção. Ela ficou calada até o final da história.
Sabemos que o conto de Andersen – o patinho feio – trabalha o psicológico da rejeição do diferente. Mas, às vezes, ser diferente (o personagem da história era um cisne, não um pato como todos pensavam inicialmente) pode revelar-se como uma vantagem, na beleza e na elegância de um cisne, como na história.
Finalizamos o encontro resumindo, na conclusão do grupo:
Quando somos julgados pelas aparências, e em muitas vezes isso ocorre de forma silenciosa, nos sentimos discriminados, rejeitados. O mesmo sentimento acontece com aqueles que nós discriminamos.
Nos despedimos no final do encontro e cada um voltou para a sua casa.
Dias depois encontrei a mãe daquela menina que não quis falar e nem comentar nada no encontro de contação de histórias. Ela agradeceu-me pela ajuda que eu tinha dado para a sua filha ao lembrar a história “O patinho feio”. É que sua filha,como ela, era estrangeira e a família mudou residência para o Brasil em função do trabalho do pai.
Contou-me que a menina estava com dificuldades de adaptação na escola. Havia uma dificuldade em falar corretamente a língua portuguesa, razão de ser motivo de chacota e risos de parte de algumas colegas de aula.
A menina, aos se identificar com a personagem patinho feio, acreditou que a sua rejeição era apenas uma incompreensão de pessoas que não a conhecia por ser de outra cultura.
Relato essa experiência com o objetivo de destacar o poder transformador de uma história para ressignificar mudanças, perdas e outros conflitos da alma humana.
Um discurso, por mais eloquente que possa se apresentar faculta ser contestado, mas uma história, fantasiosa ou real, induz ao silêncio da reflexão subjetiva, sempre carregada de descobertas pessoais.
É um convite para o sonhar e sonhando, formar o próprio caminho, pontes para jornada da vida.
(Extraído do meu livro O Contador de Histórias)
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