Não sei pensar a máquina, isto é, faço o meu trabalho criativo primeiramente a lápis. Depois, com o queixo apoiado na mão esquerda, repasso tudo a máquina com um dedo só.
– Mas isto não custa muito?
– Custar, custa, mas dura mais.
Não despertemos o leitor. Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
“A vida é um fardo”; isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e escrever sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico”. O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro.
Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa.
– Enfim – concluiu ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha –, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!
– Mas – objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!
E o mais confortador das longas viagens de trem são esses burricos pensativos que vemos à beira da estrada e nos poupam assim o trabalho de pensar...
Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
Já viram desconfiança igual?
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.
Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.
Compensação:
Suave preguiça que, do malquerer
E de tolices mil, ao abrigo nos pões...
Por tua causa, quantas más ações
Deixei de cometer!
In: QUINTANA, Mario (1987) Da Preguiça Como Método de Trabalho. 2. ed. São Paulo: Globo, 2007, p. 39-41.
– Mas isto não custa muito?
– Custar, custa, mas dura mais.
Não despertemos o leitor. Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
“A vida é um fardo”; isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e escrever sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico”. O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro.
Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa.
– Enfim – concluiu ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha –, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!
– Mas – objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!
E o mais confortador das longas viagens de trem são esses burricos pensativos que vemos à beira da estrada e nos poupam assim o trabalho de pensar...
Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
Já viram desconfiança igual?
Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.
Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.
Compensação:
Suave preguiça que, do malquerer
E de tolices mil, ao abrigo nos pões...
Por tua causa, quantas más ações
Deixei de cometer!
In: QUINTANA, Mario (1987) Da Preguiça Como Método de Trabalho. 2. ed. São Paulo: Globo, 2007, p. 39-41.
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