É o fim da Era Dunga.
A frase acima enfeitou os cabeçalhos dos principais jornais do país há exatos 20 anos, quando a Seleção Brasileira, capitaneada por Dunga, foi eliminada da Copa da Itália pela Argentina de Maradona e Canniggia.

Antes da Copa, Dunga havia ressaltado que, perdendo ou ganhando, o faria de acordo com suas ideias. E foi isso mesmo que aconteceu. Dunga perdeu de acordo com suas ideias e por causa delas.
As ideias de Dunga derrotaram a Seleção no particular e no geral. O particular tem nome, sobrenome e número nas costas: Felipe Mello, o 5, o chamado “Dunga de Dunga”.
Ontem, Felipe Mello foi o personagem do jogo em todas as instâncias. A primeira delas, positiva: aos 10 minutos do primeiro tempo, ele deu um lançamento de Zico pelo meio da defesa da Holanda. A bola viajou rente à grama, rasgando a intermediária na direção do pé direito de Robinho, que se deslocava em diagonal. Robinho bateu de primeira, bem ao se estilo: 1 a 0 para o Brasil.
Seria o ponto alto de um primeiro tempo quase perfeito. Aqueles 45 minutos foram os melhores da Seleção em solo africano. Verdade que a Holanda ajudou postando sua zaga ingenuamente em linha, mas o time brasileiro jogou com consciência, sem pressa como sempre e sendo agudo como nunca. Maicon assomava com perigo das sombras do campo de defesa, Robinho, Daniel Alves e Kaká se deslocavam sem parar e envolviam os holandeses, o Brasil poderia ter até ampliado o marcador antes de descer para o vestiário. Se houve um lance para simbolizar esse primeiro tempo coruscante ele ocorreu aos 45 minutos: Robben recebeu a bola pela direita num contra-ataque, ingressou na área e, quando levantou a cabeça para decidir o que faria, foi acossado por quatro jogadores brasileiros que saltaram sobre ele como guepardos e tomaram-lhe a bola.
O Brasil sabia o que queria e o que devia fazer para obtê-lo.
Então terminou o primeiro tempo.
Depois de 16 minutos de intervalo, tudo foi diferente.
A Holanda voltou a campo como se fosse o velho Carrossel, e o Brasil voltou a campo como se fosse o Brasil da estreia contra a Coreia. Aos sete minutos, a pressão da Holanda deu o primeiro resultado: numa cobrança de falta de Sneijder, Felipe Mello cabeceou para trás e marcou o primeiro gol contra do Brasil em uma Copa do Mundo.
Aí ficou exposto o erro de Dunga “no geral”. O erro de estratégia. Porque esta Seleção havia sido armada para jogar na hesitação do adversário, jogar com paciência, confiando no poder do seu sistema defensivo, esperando que o inimigo falhasse para então marcar. Mas o que fazer contra um inimigo que não falhava, e mais: contra um inimigo que se igualara no marcador e continuava atacando?
Na sua curta entrevista coletiva após o jogo, Dunga não reconheceu esse erro. Disse que “ninguém prepara um time para perder, e sim para ganhar”. Só que o time do Brasil não estava preparado para ganhar a partir de uma situação adversa.
Foi o que ocorreu no segundo tempo. O segundo tempo, para o Brasil, foi todo adverso. A Holanda trocava passes com rapidez e competência, baseada, sobretudo, na habilidade de Sneijder, escolhido pela Fifa o melhor em campo, e De Jong, um meio-campista que deve orgulhar seu conterrâneo Cruyff. Esses dois, muito mais do que a estrela Robben, deixaram tontos os volantes brasileiros.
Nas arquibancadas, a torcida holandesa, em evidente maioria, como que sentia a evolução de sua seleção e cantava coros acima das vuvuzelas. Aos 22 minutos, um escanteio foi cobrado da direita, Kuyt cabeceou para trás e Sneijder testou para dentro do gol brasileiro: 2 a 0.
Se já era difícil para o Brasil durante o empate, agora a impressão era de que a tragédia estava completa. Não estava. Aos 28, Felipe Mello fincou as travas da chuteira na perna de Robben e conseguiu o que vinha tentando desde o começo da Copa: foi expulso.
O resto do jogo ficou fácil para a Holanda. No fim, os holandeses brincavam com a festejada defesa brasileira, entrando livres na área como se aquilo fosse futebol de praia, não uma Copa do Mundo. Só não fizeram o terceiro por deboche. Uma pequena humilhação para a Seleção Brasileira.
Os jogadores do Brasil não desceram, rastejaram de volta para o vestiário. De lá só saíram depois de uma hora e cinco minutos de choro convulsivo.
- Eles não param mais de chorar - contou o assessor Rodrigo Paiva.
- Diferente de 2006, Rodrigo? - perguntou um jornalista.
- Nem comparação!
Em sua coletiva, Dunga ressaltou esse sentimento dos jogadores.
- É só olhar para eles para ver como estão abalados - disse.
Dunga, ao contrário, mostrou-se em paz. Não culpou ninguém, nem Felipe Mello. Revelou que não continuará na Seleção. Garantiu não saber qual será seu futuro no futebol. Disse tudo isso com calma, quase leveza. Dunga já sofreu derrotas piores. A mais dolorida delas justamente há 20 anos, quando os jornais noticiaram que a era que levava seu nome havia chegado ao fim.
Não havia.
Quatro anos depois, como se sabe, Dunga levantou a taça nos Estados Unidos. Uma nova Era Dunga, portanto, nunca é impossível.
*(Texto de David Coimbra, extraido do Jornal ZH)
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